partidos já travam disputas internas de olho em 2026 | VEJA


Tidas como um parâmetro para avaliar a musculatura das forças políticas e projetar o jogo duro que se desenha para a disputa nacional daqui a dois anos, as eleições municipais de 2024, mesmo antes das votações de segundo turno, desencadearam uma movimentação intensa nos bastidores dos principais partidos — inclusive os maiores, PT e PL — para saber quem vai comandar cada estrutura e para qual direção ela caminhará até chegar a 2026. Muito além da questão de nomes para dirigir as engrenagens, as disputas em andamento envolvem questionamentos sobre a baliza ideológica das siglas, as reflexões e cobranças sobre eventuais erros cometidos (e a necessidade de mudar) e até a angustiante luta para manter alguma relevância na barafunda partidária que marca a democracia brasileira.



FORA DO RITMO — Gleisi Hoffmann e Lula: desempenho ruim nas urnas acelerou debate sobre a sucessão no comando do PT

No PL, maior partido do Congresso, a crise envolve algo que já estava contratado há tempos: a queda de braço entre Jair Bolsonaro e o cacique da sigla, Valdemar Costa Neto, sobre o comando e os destinos da legenda. O ex-presidente nunca escondeu o desejo de ter um partido em que pudesse dar totalmente as cartas — um sonho antigo, desde que tentou criar a sua sigla, o Aliança pelo Brasil, sem sucesso. No PL, oriundo do pragmático Centrão, ele se tornou a maior referência, mas nos últimos dias tem mostrado interesse em controlar mais efetivamente a máquina partidária. Contrariado com acenos de Valdemar ao centro e declarações de apoio ao governador Tarcísio de Freitas, a quem chamou de alternativa “número 1” para 2026, Bolsonaro reagiu, dizendo que ele, mesmo inelegível, será candidato. Nos bastidores, circulou a versão de que ele tentaria emplacar o filho Eduardo Bolsonaro como presidente da legenda. Valdemar, é claro, não abre mão de comandar o partido. Atento à pressão, no entanto, arrumou dois empregos para o Zero Três: a chefia das áreas de Relações Institucionais e de Relações Internacionais do PL, um agrado na tentativa de demover Bolsonaro de colocar o herdeiro na sua cadeira. Mesmo que a iniciativa não sacie o apetite do ex-presidente, ela infla o espaço do clã Bolsonaro na cúpula da sigla, já que Valdemar havia cedido o comando no Rio de Janeiro a outro filho, Carlos Bolsonaro, e a presidência do PL Mulher à ex-primeira-dama Michelle.

Mais do que o controle de uma máquina que tem mais de 1 bilhão de reais por ano de dinheiro público, Bolsonaro quer o controle ideológico do PL. Incomodou o ex-presidente a possibilidade aberta por Valdemar de flexibilizar o partido a gente com perfil mais ao centro, para fazer frente ao crescimento do PSD, do rival Gilberto Kassab, e com isso ampliar o leque de presidenciáveis. “Tem muita gente do Kassab que defende as pautas da direita. Queremos o pessoal na eleição em 2026. O Ratinho (Junior, governador do Paraná) é um exemplo”, revela o cacique. Bolsonaro, por outro lado, defende que o partido não só fique à direita, mas seja o porta-voz dela.


CALMA — Valdemar Costa Neto: cacique do PL irritou o ex-presidente ao acenar a políticos de centro e elogiar Tarcísio como aposta para 2026

Do outro lado do espectro político, o barulho nos bastidores é até maior. Se o PL pode ao menos comemorar um desempenho acima da média nas eleições municipais, no PT o clima é de velório, após uma performance eleitoral modesta, muito aquém da expectativa que se criou com a chegada de Lula ao poder. O mau desempenho precipitou as discussões sobre a sucessão no comando da legenda, prevista para junho de 2025. Contestada por sua atuação à frente da sigla, a presidente Gleisi Hoffmann se vê em meio a brigas quase abertas pela tomada de controle do partido. Tudo piorou com o naufrágio eleitoral do principal cotado ao cargo, Edinho Silva, que não conseguiu eleger a sua sucessora na prefeitura de Araraquara — foi derrotada por um bolsonarista. Petistas do Nordeste, que há tempos reivindicam o comando da legenda em razão do melhor desempenho eleitoral que vêm tendo, já colocaram na praça o nome de José Guimarães, líder do governo na Câmara — sugestão que agrada a Gleisi, que não é da ala de Edinho (a mesma de Fernando Haddad e José Dirceu, por exemplo). Para Dirceu, a deputada resistiu aos “piores anos do PT”, mas agora o partido precisa de renovação. Segundo ele, a legenda reprimida viu a estruturação de partidos de direita. “O Brasil está politizado e não polarizado”, diz o petista histórico, que submergiu por uns tempos, acossado pela Lava-Jato, que o levou à prisão.



A discussão de fundo que mais agita o partido, no entanto, é outra: o quanto a legenda, que nasceu amparada pelo movimento sindical, se perdeu nos últimos anos. Essa discussão mais profunda já está encomendada para dezembro, quando o partido fará uma conferência, mas várias formulações já começam a aparecer. A grande questão é quais “trabalhadores”, que ostenta no nome, o partido ainda consegue representar. O crescente magnetismo em torno do empreendedorismo não só deixou de ser contemplado, como foi capturado pela direita. Categorias como motoboys e motoristas de aplicativo querem do governo coisas mais palpáveis além de um registro em carteira de trabalho, como faixa de segurança exclusiva, tinta antiderrapante em faixas de pedestres e pontos para descansar, tomar água e carregar o celular nas grandes cidades. Querem, sobretudo, não ter que carregar sobre os ombros o peso de Brasília. Há também uma discussão profunda sobre o equívoco de abraçar as chamadas pautas identitárias, voltadas a nichos específicos da população, em prejuízo do discurso mais amplo. Outra frente propõe que a legenda acolha aliados do centro à direita — como já faz Lula no governo — para ampliar o cacife para reeleger o presidente em 2026. “Se o PT quiser apenas aparecer com a frente ampla, desaparece”, contesta o deputado Rogério Correia, que teve 4% dos votos e chegou em sexto lugar na disputa em Belo Horizonte. Nas redes sociais, ele já ataca abertamente as “posições oportunistas internas no PT” e aqueles que “traíram nossa luta e proclamam traições maiores”.



CONSOLO — Eduardo Bolsonaro: cargos na máquina partidária para agradar ao pai

Enquanto os dois maiores partidos no Congresso discutem o comando e os rumos daqui para frente, legendas menores que foram vitoriosas na eleição vislumbram oportunidades. À esquerda, o PSB saiu da eleição maior do que entrou — elegeu 312 prefeitos (64 a mais do que o PT), consolidou o potencial eleitoral de João Campos em Recife e teve até um bom resultado com Tabata Amaral em São Paulo. Agora, tenta viabilizar uma federação de esquerda independente do PT (que já tem a sua com PCdoB e PV). O sonho do PSB é atrair o PDT, esfacelado ainda mais após o vexame eleitoral em Fortaleza, onde não conseguiu reeleger o prefeito José Sarto e viu parte de seus filiados apoiarem o bolsonarista André Fernandes (PL). O PSB também ensaia uma renovação no comando, alçando João Campos ao lugar de Carlos Siqueira, que chefia a legenda desde 2014. Além disso, a sigla quer atrair mais deputados na próxima janela partidária, de forma a aumentar sua musculatura para 2026. Um dos pontos, por exemplo, é ao menos manter a vaga de vice de Lula, hoje com Geraldo Alckmin, mas cobiçada por aliados como MDB e PSD.


EM BAIXA — Edinho Silva: prestígio arranhado após derrota em seu município (@edinhosilvaararaquara/Instagram)

À direita, partidos expressivos também se movimentam para criar uma alternativa para daqui a dois anos. O PP e o Republicanos saíram vitoriosos da eleição e tentam se fortalecer para buscar o eleitor mais conservador. As legendas discutem unir-se em uma federação. “Os dois partidos foram muito bem. Vamos discutir também com o União Brasil”, diz o presidente do PP, Ciro Nogueira. A pretensão passa pela sucessão de Arthur Lira (PP) na Câmara. O presidente da Casa deve apoiar a candidatura de Hugo Motta (Republicanos), jogando para escanteio o líder do União Brasil, Elmar Nascimento. O PSD, de Kassab, outro vitorioso nas urnas, faz trilha própria, mas também está de olho no espólio eleitoral da direita. Essas legendas têm ao menos três candidatos a assumir a corrida ao Planalto: os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), Ronaldo Caiado (União Brasil) e Ratinho Junior (PSD). Com exceção de Tarcísio, os outros foram para o embate direto com o bolsonarismo nas eleições em Goiânia e Curitiba, o que pode ter reflexos no jogo para 2026.



FIM DE LINHA — Ciro, Carlos Lupi e José Sarto: naufrágio em Fortaleza piorou o que já era ruim

No atual freio de arrumação, há quem lute para tentar ao menos continuar a ser notado. Além do PDT, outro tradicional partido na corda bamba é o PSDB, que encolheu nas cidades (fez 262 prefeituras a menos que em 2020) e passou vergonha em São Paulo, seu berço, com José Luiz Datena, que teve 1,8% dos votos. “A desidratação do partido não aconteceu na eleição, aconteceu antes”, justifica o presidente, Marconi Perillo, que atribui a queda ao cenário de polarização e à ausência de candidatura própria à Presidência em 2022. Os tucanos, que ainda sonham em tentar o Planalto com o governador gaúcho, Eduardo Leite, querem primeiro ampliar a federação que têm hoje com o Cidadania para incluir PDT e Solidariedade. Mas não será fácil. “Tem que ter projeto e causa a ser proposta para a sociedade. Não dá para fazer ajuntamento eleitoral apenas com a preocupação da eleição”, diz Carlos Lupi, ministro da Previdência e presidente licenciado do PDT.



CONCHAVO — Ciro e Marcos Pereira: caciques querem unir PP e Republicanos

A hora da verdade para muitas legendas era mais do que esperada. O país passou do bipartidarismo na ditadura a uma fragmentação que chegou a trinta legendas em 2018. O que parecia ser sinal de vitalidade democrática criou problemas de governabilidade e embaralhou a cabeça do eleitor. Mais: a criação de partidos tornou-se um dos negócios mais rentáveis do país. Só em 2024, somados os fundos eleitoral e partidário, 6,1 bilhões de reais saíram dos cofres públicos para as engrenagens partidárias. “Essa expansão foi gradualmente deixando de ser uma expressão de diferentes ideologias para se transformar cada vez mais em um ótimo negócio”, diz o cientista político Eduardo Grin, da FGV. A polarização dos últimos anos, em especial a da eleição de 2022, mostrou que a maioria das legendas vai ter de fazer sua lição de casa para encontrar um bom lugar na mesa de 2026. As cartas disponíveis envolvem troca de lideranças, atualizações programáticas e busca por novas alianças. Fechadas as urnas do pleito municipal, começa imediatamente a corrida para acumular um cacife à altura para quando o jogo maior começar.


“Vou atuar pela unidade do PT”

Gleisi Hoffmann diz que ficará à frente do PT até o fim do mandato, em junho de 2025, apesar de especulações sobre a antecipação da eleição, e que irá trabalhar para que haja candidato único à presidência.

Qual perfil deve ter o futuro presidente do PT?

Primeiro, é preciso clareza da questão programática. Quais são os desafios que o PT tem para se situar diante da nova realidade? As disputas que temos que fazer no novo mercado de trabalho, as novas formas de comunicação? Estamos falando de rede social, empreendedorismo, trabalho em plataforma, toda a variedade de trabalho informal. Como o partido se prepara para isso, já visando a eleição de 2026? Daí vai sair não só o novo presidente, mas também a nova direção do partido.

O deputado José Guimarães e o prefeito Edinho Silva são candidatos?

Há um desejo do Nordeste de ter participação mais efetiva na direção. É legítimo. É uma região onde o PT tem as maiores vitórias. Edinho tem o nome sendo colocado. Vão surgir outros. Vou trabalhar muito para que haja unidade no partido, ao menos para a presidência.

Lula quis adiantar a troca de comando no PT para incluí-la no ministério?

Não tenho essa pretensão e também não tenho convite. Vamos fazer a transição, e eu ficarei na presidência do PT até o fim do meu mandato.



Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916